dos sonhos


Um dia na vida eu já quis ser pianista. Estudei piano por anos a fio e nunca me identifiquei com o instrumento. Estava sempre brigada com o piano, tentando em vão criar uma simbiose. Existia amor, mas não existia sinergia. Por um tempo eu tentei entender o que pode ter ocorrido. Será que a metodologia do ensino não era chata demais para uma criança? A minha primeira professora de piano era uma velha mal humorada e chata. Ela me ensinou o rigor técnico e só. Música é pura emoção. Como alguém ensina piano para uma criança desse jeito?? Só tenho a agradecer à professora Anita por ter contribuído na destruição das minhas ambições musicais... Quando entrei na faculdade larguei o instrumento de vez. Vendi meu essenfelder (ai que arrependimento), que era era lindo e límpido. O que me consola é que vendi para um amigo que era fissurado por jazz e estava estudando loucamente. Certamente o piano ficou mais feliz com ele do que era comigo. Alguns anos depois de ter mudado para São Paulo, na crise dos 28 anos (retorno de Saturno e tals), decidi comprar um piano e voltar a estudar. O instrumento foi comprado e ficou anos encostado no meu quarto. Há uns três anos decidi me matricular em uma escola na Vila Madalena. Muito bacana e com professores descolados e com métodos mais amenos e modernos. Estudei um ano somente. O meu pânico de tocar na frente do professor voltou, o meu medo de errar, a frustração de não ser boa... Foi um revival de neuroses. E eu que já achava que já estava acima disso tudo, que tinha superado todas essas questões. O meu professor era bacana, simpático, boa pinta, bem mais jovem que eu, tocava jazz na noite paulistana. O oposto do estereótipo de um professor de piano dos anos 80 em Curitiba. Mas por mais que ele não estivesse nem um pouco preocupado com o rigor técnico (ele me dizia que nunca tinha tido um aluno que lesse partitura tão bem) eu não conseguia enxergar nele um parceiro nesse jornada, um mediador para as minhas brigas com instrumento. Para mim ele era uma nova professora Anita que só queria me cobrar, me julgar, me frustrar... Tem coisas que ocorrem com a gente na infância e acho que são insuperáveis. Ele se esforçou comigo, tentou inventar aulas divertidas. Mas depois de um ano de aula, eu sumi sem dar satisfações. Ele tentou me ligar várias vezes, deixou mensagem no telefone falando para eu não desistir, que eu era boa e devia insistir. Mas não teve jeito. Abandonei o piano para nunca mais voltar a tocar. Agora eu me dedico a outro instrumento: um agogô. Mas isso é outra história... Eu acho que na verdade eu sempre gostei de ouvir uma música ao piano, o seu som sempre me comoveu. Eu devia ter dedicado meus anos a ouvir o instrumento e não e tentar tocá-lo. É o que eu faço atualmente e diariamente.
Beethoven-Sonata no. 8 in C minor, Op. 13 (Pathetique Sonata), Mov. 2

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